terça-feira, 6 de julho de 2010

Times brasileiros acumulam passivos bilionários

A gestão empresarial ainda permanece distante da realidade da maioria dos clubes brasileiros. O velho vício de gastar mais do que se pode para montar equipes competitivas está afundando as principais agremiações em dívidas. Mesmo com um cenário econômico mais favorável que o europeu, nos últimos três anos, o endividamento dos times cresceu ao menos 35%.

Segundo a Casual Auditores Independentes, os passivos dos 14 maiores clubes passaram de 1,7 bilhão de reais, em 2007, para os 2,4 bilhões verificados no ano passado. Pelos cálculos da Crowe Horwatch, os 20 clubes com maior faturamento viram suas dívidas aumentar de 1,9 bilhão de reais para 2,7 bilhões no mesmo período.

A situação é preocupante, especialmente porque o crescimento das receitas é inferior ao das dívidas. O faturamento dos clubes passou de 1,28 bilhão, em 2007, para 1,57 bilhão, em 2009. Alta de 22%, bem aquém da evolução dos passivos. Essa é a razão de alguns dirigentes iniciarem um debate sobre a adoção de medidas regulatórias, capazes de impor limites aos contratos milionários e salários astronômicos que comprometem as finanças dos clubes.

Os europeus sofrem os efeitos da bolha que criaram, ao pagarem aos atletas valores irreais de contratos e remuneração”, avalia Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente do Palmeiras e colunista de CartaCapital. “No Brasil, esse problema também existe. Os times precisam encontrar uma forma de barrar a competição predatória, eventualmente fixando tetos salariais, como fazem as ligas esportivas dos EUA”, sugere.

Na França e na Alemanha, há órgãos que fiscalizam as contas dos clubes de futebol, para evitar investimentos superiores à capacidade de arrecadação. “O problema, no Brasil, é que o gasto dos departamentos de futebol passou de 69% do faturamento, em 2007, para 77%, em 2009. Para chegar a uma participação mais equilibrada, é necessário aumentar receitas ou reduzir gastos”, afirma Amir Somoggi, diretor da área de esporte da Crowe Horwatch RCS.

Raul Corrêa, diretor-financeiro do Corinthians, acha pouco provável que os clubes brasileiros passem a fixar limites para salários. Mesmo assim, pondera: “Os clubes podem até fechar contratos milionários, desde que tenham condições”, diz.

Em parte, o crescimento recente do endividamento das agremiações tem relação com a crise do futebol europeu. Em 2007, a renda da venda de jogadores trouxe aos clubes brasileiros 600 milhões de reais. Em 2009, a receita caiu para 365 milhões. Por outro lado, os clubes conseguiram aumentar as demais fontes de renda, incluindo patrocínios, cotas de tevê e bilheteria.

O grande desafio é encontrar formas de o clube lucrar sem depender da venda de jogadores. Em 2009, o Corinthians arrecadou 49 milhões de reais com patrocínio, o que levou o clube a ter a maior arrecadação (181 milhões) do País”, diz Corrêa.

Nos últimos três anos, segundo um relatório do clube, a dívida tem se mantido estável na casa dos 100 milhões de reais, herança da malsucedida parceria com o fundo de investimentos MSI, acusado de lavagem de dinheiro pelo Ministério Público paulista. Apenas em pendências judiciais herdadas da parceria, restou um passivo de 41 milhões de reais. Mas, em 2009, o faturamento do Corinthians cresceu 54%. Dívida estável, receita em alta.

Diante da escassez de recursos, muitos clubes têm apostado em parcerias com empresas que agenciam jogadores. O clube ganha ao montar elencos mais fortes e o parceiro, com a vitrine que valoriza os atletas. Especialistas criticam, porém, a dependência provocada por esse modelo, além da baixa participação que os clubes costumam ter nas transferências.

O Palmeiras, que chegou a ter mais de dez jogadores cedidos pela Traffic em 2008, restringiu a parceria a dois atletas da atual equipe: Cleiton Xavier e Paulo Henrique. Já o Fluminense, time mais endividado do País, depende dos parceiros Unimed e Traffic para manter as principais estrelas no elenco, como o atacante Fred.

Quase 60% das dívidas dos clubes são de natureza fiscal. Em 2008, o governo federal criou a Timemania, loteria para arrecadar fundos que garantissem o pagamento dos passivos. A expectativa era de uma arrecadação de 500 milhões de reais por ano. Em 2008 e 2009, no entanto, a arrecadação foi inferior a 112 milhões de reais. Para clubes cariocas como Botafogo e Fluminense, com passivos que somam até sete vezes o faturamento anual, os repasses quitam uma parcela ínfima das dívidas fiscais.

Para equacionar as dívidas, o Clube dos 13 estrutura um plano conjunto de renegociação. A ideia é apresentar como garantia recebimentos futuros de contratos acertados pelos clubes. “Só esperamos a conclusão de um estudo da FGV”, afirma Belluzzo, responsável pelo projeto.

De nada adiantará a renegociação das dívidas caso os clubes mantenham a estrutura amadora de gestão, alertam especialistas. “Postos de chefia continuam nas mãos de voluntários, fruto da política de oferecer a conselheiros cargos-chave”, critica Claudinei Santos, coordenador do Núcleo de Negócios do Esporte da ESPM. “Não precisa transformar o clube numa empresa. Mas é preciso gerenciá-lo como se fosse.”

Nos anos 90, a experiência de clubes-empresas fracassou. Um exemplo é o Vasco, que fechou acordo com o Bank of América, em 1998, para contratos de licenciamento e publicidade. O acordo foi rompido e a questão parou nos tribunais, com as partes se acusando por dívidas não pagas.

Outro exemplo é o Bahia, que, entre 1998 e 2006, recebeu repasses de empresas ligadas ao Grupo Opportunity. A dívida do clube, no entanto, saltou de 10,2 milhões para 47,9 milhões no período. Desde então, o clube frequenta as categorias inferiores do Campeonato Brasileiro.

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